PAOD (Assembleia Municipal de Tomar – 30/Junho/2010)
José Saramago escreveu no seu Ensaio sobre a Cegueira, “Lutar foi sempre, mais ou menos, uma forma de cegueira, Isto é diferente, farás o que melhor te parecer, mas não te esqueças daquilo que nós somos aqui, cegos, simplesmente cegos, cegos sem retóricas nem comiserações, o mundo caridoso e pitoresco dos ceguinhos acabou, agora é o reino duro, cruel e implacável dos cegos, Se tu pudesses ver o que eu sou obrigada a ver, quererias estar cego”.
Também em Tomar o mundo caridoso e pitoresco dos ceguinhos acabou e de há nove meses a esta parte assistimos ao reino duro, cruel e implacável dos cegos coligados que em tempos de grave crise aprovaram o orçamento mais elevado de sempre elaborado, nas suas palavras, com “rigor e competência”. Mas, num contexto orçamental onde as receitas correntes desempenhariam papel fundamental, o desleixo, mau trabalho e má gestão (por outras palavras a falta de rigor e competência) impedem o “reino”, desde o passado dia 1 de Maio (dia do Trabalhador), de cobrar várias taxas municipais. Ainda nas palavras do seu mais alto dignitário uma “situação grave” e da qual “não se sabe ainda o prejuízo final”.
A situação não é grave, mas sim calamitosa, se a esta perda de receitas juntarmos o corte orçamental de mais de 396 mil euros resultante das restrições impostas pelo PEC e uma dívida total que ascende a mais de vinte e nove milhões de euros, porque quem reina não está à altura das suas obrigações nem reais nem auto-proclamadas.
A salvação do “reino” passa pela aposta fulcral no turismo e na cultura, mas em ano histórico de Comemoração dos 850 anos da Fundação de Tomar, apenas temos assistido a um conjunto desgarrado de iniciativas pontuais, desfasadas no tempo e direccionadas para públicos limitados e por isso incapazes de atrair e muito menos fixar visitantes. Enquanto bem perto de nós, num concelho vizinho se comemoraram durante três dias seguidos os 500 anos do seu foral Manuelino, com a recriação histórica da chegada do rei D. Manuel e sua corte real, com uma autêntica feira de época espalhada por vários espaços, com recriações de jogos tradicionais, concertos e bailes renascentistas, “Praça dos Mercadores” com postos de venda de artesanato e praça de armas com acampamento militar. Tudo isto envolvendo centenas de figurantes, com especial destaque para os jovens das várias escolas, num evento mobilizador da comunidade, em torno da sua memória colectiva, que atraiu milhares de visitantes.
É por isto que passou a ser uma falácia falar da dinâmica cultural do nosso concelho que há muito deixou de ser uma referência cultural em termos regionais suplantado pela maior parte dos concelhos vizinhos.
Todavia, com quem ainda assim o visita, o “reino” é ainda mais duro e cruel, abandona-o à sua sorte, sem parques de estacionamento para autocarros, sem lavabos e sem sinalética que indique o Posto de Turismo, os principais monumentos incluindo o Convento de Cristo, Património da Humanidade, o Núcleo de Arte Contemporânea ou a Casa Memória Lopes – Graça, esse mesmo que de Tomar disse «o monumento completa a paisagem; a paisagem é o quadro digno do monumento».
Revelando-se assim um “reino” indigno quer da paisagem quer do monumento, ao não cuidar, ao não saber promover e muito menos optimizar a excelência do Património existente, insistindo de forma sistemática em destruí-lo e desvirtuá-lo. O abandono e ruína a que vetou o Convento de Santa Iria, ou a construção do chamado paredão, muro da vergonha ou lamentações ou mais simplesmente “coisa” são disso exemplo.
Aquela “coisa” que está em frente ao moinho e à moagem, está lá porque foi aprovada, está lá porque foi construída, está lá porque foi gasto muito dinheiro, mas acima de tudo está lá porque é o verdadeiro paradigma do estado da “arte governativa” local. Está lá porque não existe contenção, não existe responsabilidade e sobretudo não existe um rumo.
Está lá para que sejamos obrigados a ver tudo o que se tem passado, quando antes quereríamos estar cegos.
O Deputado Municipal eleito pelo
Bloco de Esquerda
Paulo Mendes
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