Em defesa do Serviço Nacional de Saúde
Há
42 anos, a esperança média de vida em Portugal era 64 anos para os homens e de
70,3 anos para as mulheres; atualmente é de 76,7 anos para homens e 82,6 anos
para as mulheres, o que representa um aumento de quase 20,0% para os homens e
de cerca de 18,0% para as mulheres.
Há
42 anos, a taxa de mortalidade infantil indicava que por cada mil crianças
nascidas em Portugal 55 não completavam o primeiro ano de vida; atualmente, por
cada mil nascimentos apenas 3 não sobrevivem ao primeiro ano de vida[1].
Em
42 anos, deixou de se dizer “tive 5 filhos mas só vingaram dois”. Em 42 anos,
quebrou-se o ciclo da pobreza e da doença. Em 42 anos, conseguiu-se acabar com
a indignidade de pessoas doentes não se tratarem por não terem acesso a
cuidados de saúde nem meios para o pagar. Os princípios de abril, plasmados na
Constituição, permitiram construir um serviço nacional de saúde (SNS[2])
garantindo cuidados de saúde primários e hospitalares a todas as pessoas,
disseminando no território hospitais e centros de saúde, assegurando a equidade
no acesso e garantindo o acesso a cuidados médicos a todas as pessoas, a título
universal, geral e gratuito.
Para
implementar a sua missão, o SNS é financiado através do Orçamento de Estado.
Como se compreende, é necessário que o orçamento atribuído ao SNS lhe permita
assegurar as suas funções. Ao longo dos últimos quatro anos, o Governo PSD/CDS
fez o orçamento do SNS recuar dez anos: em 2015 foi de 7,8 mil milhões, ao
nível das dotações de 2005/2006. Entre 2010 e 2014, a despesa pública total com
a saúde reduziu-se 5,5 mil milhões de euros.
No
entanto, o setor privado cresceu fulgurosamente graças ao Estado: entre 2010 e
2014, os pagamentos do Estado aos grupos privados aumentaram de 160 para 427
milhões (note-se que mais de um terço da faturação dos grupos privados é
assegurada por pagamentos da ADSE e convenções com o Estado). O Orçamento do
Estado para 2015 destinou 417 milhões para as parcerias público-privadas (PPP)
na saúde e reservou 1200 milhões de euros para aquisição de serviços através de
contratação externa.
São
escolhas, é verdade. E o Governo PSD/CDS fez escolhas: pela austeridade, pelo
apoio ao setor privado, pelo corte no setor público.
Consequentemente,
as dificuldades do SNS avolumaram-se ao ponto de se registar falta dos mais
simples materiais (como luvas ou batas) ou das terapêuticas mais caras (como
medicamentos oncológicos ou biológicos); os tempos de espera nas urgências
atingiram limites impossíveis de aceitar e, a falta de recursos para reparar ou
renovar equipamentos ou instalações tornou-se evidente.
Tudo
isto perante equipas de profissionais levadas ao limite da exaustão,
desfalcadas por falta de médicos, enfermeiros, técnicos e outros profissionais
de saúde. A desmotivação tomou conta dos profissionais, desrespeitados nos seus
direitos e carreiras, mal remunerados, sujeitos a enormes cargas de trabalho,
prejudicados nos períodos de descanso impostos pela própria lei, limitados na
sua realização profissional, sujeitos à incerteza da precariedade e - quantas vezes
- usados como bodes expiatórios e culpados por falhas e problemas provocados
pelas decisões das administrações ou próprio governo.
Os utentes
depararam-se com taxas moderadoras que se transformaram em copagamentos, meios
complementares de diagnóstico a atingirem valores absurdos, impossibilidade de
dar continuidade a tratamentos por não poder pagar o transporte, tratamentos e
cirurgias desmarcados por falta de material...
Sucederam-se
os alertas dando nota das dificuldades do SNS.
Sucederam-se
as evidências de que não era possível fazer mais com menos. Sucederam-se as
provas de que a austeridade estava a degradar a qualidade e o acesso do SNS.
E sucederam-se
as desvalorizações destes mesmos alertas pelo governo PSD/CDS.
Até que, da
pior forma, deixou de ser possível ignorar que a austeridade mata.
Por tudo isto,
é imperativo travar este processo de destruição do SNS.
É
absolutamente fundamental assegurar que o SNS tem as condições orçamentais
necessárias ao seu normal funcionamento e, para tal, é necessário aumentar o
financiamento; um orçamento de 8,5% do Produto Interno Bruto PIB (hoje 5,9%,
para uma média OCDE de 9,3%, tendo sido de 6,7% em 2012) permitiria o normal
funcionamento do SNS. Este orçamento permitiria também por no terreno medidas
determinantes como (i) a criação de um Fundo Especial para a Inovação
Terapêutica, reduzindo nos orçamentos hospitalares o custo dos medicamentos
inovadores, (ii) uma nova e efetiva política de promoção da saúde e prevenção
da doença e (iii) investir na construção prioritária dos novos hospitais de
Lisboa, Seixal e Gaia, no alargamento da rede pública de cuidados continuados e
na implementação da rede nacional oncológica.
Os
desafios que o SNS enfrenta são imensos. Travar a destruição em curso e salvar
o SNS é uma missão crucial para a qual todos estamos convocados. Para que a
austeridade deixe de matar.
Pelo exposto, a Assembleia Municipal
de Tomar reunida em 26 de Fevereiro de 2016, delibera:
- Exigir
ao Governo adequada orçamentação do SNS;
- Solicitar
ao governo o investimento público Rede Nacional de Cuidados Continuados
Integrados (RNCCI);
- Rejeitar
a municipalização da saúde;
- Solicitar
ao governo que sejam desencadeadas as ações necessárias a assegurar a
contratação pública de todas/os as/os trabalhadoras/es que exercem funções
no SNS;
- Solicitar
ao governo que se abstenha de colocar trabalhadoras/es no SNS ao abrigo de
contratos de emprego inserção (CEI) e contratos de emprego inserção +
(CEI+);
- Solicitar
que sejam tomadas as medidas necessárias para garantir médico de família a
todas as pessoas inscritas nas unidades de cuidados de saúde primários;
- Remeter
esta deliberação aos órgãos de soberania, ao Primeiro-ministro, ao
Ministério da Saúde, aos grupos parlamentares representados na Assembleia
da República e à Comissão Parlamentar de Saúde.
Assembleia Municipal de Tomar, 26 de
fevereiro de 2016
O Deputado Municipal eleito pelo Bloco de
Esquerda
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